6 de dez. de 2014

DIA 36 - PUNO E JULIACA - PERU

Os momentos que antecederam nossa partida foram bem interessantes. Levantamos e prontamente fui para o lado de fora para ver se a Suki ainda estava lá (e se estava inteira). Fez tanto frio durante a noite (e ainda fazia pela manhã) que tinha uma camada de gelo sob toda a moto. Era impossível ver qualquer coisa no painel. Pensei que seria um bom momento para trocar o óleo.
Antes disso, fui procurar o banheiro. A senhora, dona da casa, me informou que do lado de fora da casa havia uma outra porta e lá dentro eu iria achar o banheiro. Quando entrei arrepiei da cabeça aos pés. Havia milhões de porquinhos-da-índia de um lado e do outro uma lhama. Na meio estava a porta que seria o banheiro, e esta porta estava coberta de sangue. Pareciam que tinham matado algum casal viajante de moto ali. Como notei que iria urinar nas calças diante daquela cena, tratei de tomar um fôlego e entrar na porta da morte. O banheiro estava numa penumbra total e eu não sabia exatamente onde estava o vaso. Com medo de procurar o vaso com o pé e acabar chutando um corpo, achei melhor mirar pra qualquer lado e fogo.


Antes de sair até tentei puxar papo com a lhama mas ela fungou e não fez cara de amizade. Lembrei de ter visto no desenho do Tintin que há um animal no Peru que cospe na cara. Não lembrava se era a lhama ou outro animal, por isso achei melhor prevenir e sair de perto.

Mel foi um pouco mais inteligente, pediu o celular (que estava no meu bolso o tempo todo) para usar a lanterna e iluminar lá.
Enquanto a Mel comprava algumas bolachas da senhora, troquei o óleo da moto. Antes de sairmos um caminhão de lixo passou e todos os garis quiseram tirar foto montando na Suki com os outros ao redor. Nunca uma 125cc fez tanto sucesso.
Na hora de pegar a estrada já me preparei psicologicamente para a possibilidade de ela não funcionar e perdermos boa parte do dia lá até esquentar. Como a Suzuki Intruder não tem pedal, eu teria que colocar toda a minha fé no botão de ignição.



Primeira tentativa: nheco nheco nheco....

Segunda tentativa: nheco nheco nheco....

Terceira tentativa: Rooooooommmmm...


Eu mal podia acreditar que a moto tendo passado a noite ao ar livre, enfrentando geada e temperatura abaixo de zero ligou na terceira vez que apertei o botão. Antes que ela mudasse de ideia falei pra Mel subir e pegamos a reta!
Na primeira meia hora se eu desacelerasse demais a moto morria, em função do motor ainda estar frio (é uma 125cc, querem o que? Kkk), por isso eu tinha que fazer curvas a quase 60kms/h com rajadas de vento lateral numa estrada simples e com um tremendo precipício do lado esquerdo. Mas uma coisa era muito mais poderosa do que o medo: o frio!


Eu podia dizer que já havia sentido mais frio antes na vida, tendo passado o inverno nos países escandinavos em 2009. Mas a Mel, vinda da ensolarada região do nordeste brasileiro não podia dizer o mesmo. Ela tremia tanto que parecia que eu estava pilotando na esburacada Bauru de novo. O céu estava claro e ensolarado, porém com algumas nuvens e quando passávamos por baixo delas a temperatura automaticamente caia muito. Eu acelerava para voltarmos a um ponto com sol novamente e assim sentir aquele alívio. Para distrair a Mel, comecei a sugerir algumas músicas para cantarmos juntos. Ela não se animou, diante do frio glacial que sentia, mas eu mandei bala e cantei a discografia inteira do Moody Blues. Não sei dizer se os lamentos dela eram só por causa do frio ou por causa da minha cantoria.



Algumas horas depois passamos por um simpático vilarejo. Na praça central estavam algumas cholas vendendo roupas sob tapetes estendidos no chão. Mas tudo bem organizado e limpo. Paramos a moto lá mesmo e demos uma olhada em tudo que tinham para vender. Eu não podia acreditar nos preços. Dez reais em uma calça de lã. Cinco reais em um par de luvas grossas. Cinco reais em um gorro estilo peruano. Nos encapotamos lá mesmo e o alívio foi imediato. Atravessando a rua estava uma vendinha, onde compramos suco de caixinha e uns pãezinhos. Nos abastecemos e continuamos a viagem.
Algum tempo depois chegamos a Puno e de longe avistamos o famoso Lago Titicaca. Enquanto nos aproximávamos da cidade uma certa tensão foi crescendo em ambos. Tudo era muito louco! Não passou uma impressão muito boa a cidade pelo fato do transito ser ainda mais caótico que em outras cidade peruanas, mas com um asfalto quase inexistente. Para mim toda vez que a Expedição Arauto Americano entrava em uma cidade grande eu ficava muito tenso e querendo sair logo. Era como se a Suki fosse um urso polar na floresta amazônica. Tentamos acesso ao lago diversas vezes. A falta do GPS nos frustrava em cada rua sem saída, cada acesso impedido, rua esburacada e avenida com a lei do mais forte. Sempre que nos aproximávamos do lago havia uma parede de concreto impedindo continuarmos a decida. Por decisão conjunta, desistimos do lago e resolvemos continuar viagem para pousarmos em Juliava. Senti um grandíssimo alivio ao deixarmos a zona urbana de Puno. Ufa!
Não muito longe estava Juliaca, outra cidade tão grande e louca quanto Puno. Mas foi muito mais fácil acharmos uma pousada em Juliaca do que o lago Titicaca em Punto. Logo em uma das avenidas principais, perto do centro da cidade, avistei pousadas uma junto a outra. Deixei a Mel cuidando da moto e fui de uma a uma perguntando o preço. A mais econômica foi a que fechei negócio. A respeito da moto, a dona da pousada foi comigo a um estacionamento na mesma quadra e conversou para nos permitirem guardarmos a moto pela noite sem cobrarem (ou roubarem). Deixamos a moto lá, tiramos praticamente tudo dela e carregamos nossa bagagem para a pousada. Nosso quarto era o mais distante, tendo que subir e descer diversas escadas. Era um quarto bem horroroso, sem TV, sem ar condicionado, sem suíte, sem frigobar, sem nada, só uma cama e uma escrivaninha. A senhora nos informou que o banheiro era próximo, mas não havia água quente para o banho. Que beleza...
Descansamos por cerca de dez minutos e já saímos para almoçarmos, comprarmos algo para o jantar e para eu compra um simcard. Naquela quadra mesmo havia um restaurante até que atrativo. O preço não parecia ser tão absurdo assim, cerca de 15 reais por um prato, então resolvemos arriscar. Eu pedi um peixe e a Mel uma costela. Veio a costela mais bizarra que vimos na vida. Eu arrisco dizer que era humana. Meu peixe era um mistério de que peixe se tratava. Era um tipo de pacú misturado com piranha com zilhões de espinhos de todos os tamanhos possíveis. Desde espinhos pequenos que pareciam com agulhas até enormes parecidos com espadas de samurais. Tão mortais quanto! O almoço foi um verdadeiro fiasco. Até a Mel que é fã de costela não teve coragem de comer nem metade daquela costela de macaco. Já no dia seguinte viríamos a descobrir que gastamos uma verdadeira fortuna naquele restaurante ruim, pois o preço habitual para uma refeição caseira no Peru é de 4 reais.
Depois da nada magnifica refeição andamos pelo centro comercial procurando um simcard para meu celular. O simcard era fácil de encontrar, o problema era aceitarem vender para alguém sem documento peruano. Foi preciso tentarmos em mais de 10 lojas até uma vendedora boa alma resolver cadastrar no documento dela (não antes de eu ter estressado e falado alguns palavrões em coreano).

Compramos alguns pães, tomates, atum e suco num supermercado e voltamos á pousada ao entardecer.
Eu estava louco para um banho, e estando a água quente ou fria eu iria de qualquer forma ter aquele banho. O banheiro de pouco mais de um metro quadrado me proporcionava sem custos adicionais a experiência de estar num simulador de túmulo vertical. Abri o chuveiro e nada de água, nem quente nem fria. O jeito foi me virar com a água da torneira da pia, mesmo. Com uma mão em forma de concha eu enchia de água e jogava no corpo, mas intensamente nas partes que cheiravam ao Olodum ou a bacalhau.


Já a Mel não quis ter a experiência de banho de gato. Preferiu um banho a seco, mesmo e esperar que o próximo dia proporcionasse maiores confortos.

Não nos sentimos muito seguros para sair à noite e na verdade a vontade nem existia, pois estávamos exaustos. Além do mais, eu estava sentindo os efeitos da altitude me derrubar com violência. Passei muito mal com uma dor de cabeça explosiva, mal-estar e muito enjoo. Comemos pão com tomate e dormimos como pedra. A pedra, alias, que eu sentia me dando pancadas a cada 2 segundos.

Boa noite! Ai!


RODADOS NO DIA: 315 KMS
TOTAL RODADOS:  7520 KMS











Vilarejo onde finalmente compramos roupas mais quentes


Mesmo vilarejo com os Andes ao fundo


Puno e o lago Titicaca


Caminho à Juliaca

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