27 de dez. de 2014

DIAS 52 A 58 - PISAC e CUSCO - PERU (terceira semana)

   Nossa terceira semana em Pisac foi a semana do Natal. Logo no início da semana o que queríamos era finalmente conhecer ruínas incas, já que em Cusco descobrimos que conhecer o Machu Picchu custava uma pequena fortuna. As montanhas que circundavam Pisac abrigavam muitas ruínas, então tentamos chegar até elas. Nossa primeira tentativa foi na segunda-feira. A praça central da cidade tinha um caminho que levava a uma extensa escadaria montanha acima. Como vimos diversas pessoas subindo e descendo simplesmente começamos a subir sem nos preocuparmos se a visita seria gratuita ou paga. A resposta veio não muito tempo depois. Fomos barrados em plena e exaustiva subida por duas moças em uma guarita. "No se puede!" E assim tornamos a descer com os braços e olhares baixos.
   De volta à pousada encontramos com Davi e contamos o ocorrido. Ele se prontificou a nos ajudar a conhecer as ruínas de graça pois conhecia os esquemas para tal. Chamou um amigo e pouco depois os dois apareceram cada um em uma moto. Nos colocaram na garupa (todos sem capacete) e subimos todos morro acima, mas desta vez dando a volta circulando a montanha. Pararam numa guarita de acesso às ruínas e nos pediram para esperar enquanto conversassem com o guarda. Voltaram e nos deram as instruções: aparentemente o guarda era amigo deles e informou que antes das 8 da manhã não havia ninguém na guarita, possibilitando a entrada de qualquer um! Os grupos turísticos só chegavam lá pelas 10, então teríamos muito tempo para aproveitarmos as ruínas antes do lugar encher de turistas. Davi nos disse que poderia nos levar até a guarita na manhã seguinte. Imaginei que provavelmente estaria fazendo aquilo para se redimir pela história do chuveiro frio.
   Na manhã seguinte estávamos prontos no horário combinado (7 da manhã), mas como esperado Davi ainda não havia aparecido. Quando eram quase 8 horas e estávamos a ponto de desistir ele bateu em nossa porta nos apressando como se fossem nós que estivéssemos atrasados. Descemos todos e pouco tempo depois estávamos a caminho da guarita das ruínas levados de carro por Davi.
   Na entrada não havia uma alma viva. Entramos sem problemas e já começamos a tirar muitas fotos. O lugar era fantástico e o fato de estarmos sozinhos lá nos fez sentir muito afortunados. O clima era agradável e o sol ainda estava nascendo. Pudemos explorar as ruínas por cerca de 2 horas antes dos primeiros turistas aparecerem ao longe. As ruínas tomavam as ruínas de forma tão extensa que quando estes turistas começaram a se aproximar de onde estávamos, íamos mais adentro circulando todo o topo das montanhas. Era impressionante a engenharia que foi envolvida naquilo na época. Havia até mesmo uma caverna na montanha que servia de acesso para o outro lado da montanha, onde haviam mais construções incas. Perto da hora do almoço já havíamos visitado toda a extensão das montanhas onde haviam as ruínas. O caminho de volta seria por uma escada extremamente íngreme feita de pedra pelos incas. Os degraus eram muito pequenos e um simples tropeção poderia resultar em você rolando montanha abaixo praticamente em queda livre. Levamos mais de uma hora para descer o que eu estimei que tenham sido 600 metros conforme o GPS. Chegamos em terra firme totalmente exaustos e com as pernas doendo. A soma da altitude com o cansaço e a fome me fez passar um pouco mal o resto do dia, como se estivesse com uma ressaca braba! 
    Porém, ao final do dia enquanto olhávamos as fotos ambos tínhamos a sensação de sermos muito sortudos por ter tido aquela oportunidade. Não foi nenhum Machu Picchu mas sinceramente eu não sigo os padrões de desejo de um turista comum então me contento com o "alternativo". Economizamos algumas centenas de reais tendo optado por esta opção. A Mel tinha a opinião que conhecer o Peru sem conhecer o Machu Picchu era uma coisa frustrante, mas eu já mantenho a opinião que conhecer o Peru para apenas conhecer os pontos turísticos feitos para estrangeiros não era conhecer o Peru. Nós conhecemos a fundo, atravessando estradas, cidades, vales, povoados e interagindo sempre com todos.


























25 de dez. de 2014

DIAS 52 A 58 - NATAL em PISAC - PERU (terceira semana)

   O Peru não tem o que se pode chamar de um Natal tradicional. As casas e comércio são menos enfeitados do que no Brasil e muito menos que na Europa. Não há o costume de grande consumismo nesta época naquela região, até porque as pessoas não tem dinheiro para comprarem presentes para a família inteira e pro amigo secreto, onde tirou justo aquele cunhado chato. Vou explicar exatamente como o Natal é comemorado no Peru (ao menos naquela região).
   Eu tentei de todas as formas fazer amizade com estrangeiros para que tivéssemos onde celebrar a noite de Natal. Porém a realidade de Pisac é a seguinte: por mais que o misticismo dos Andes atraia os bichos-grilo, eles não são lá tão sociáveis e unidos assim. São quietos, na deles, reclusos e de pouca conversa. São em sua maioria europeus, o que explica muito sobre o porquê deste comportamento. Então não se pode esperar uma atitude acolhedora como temos nós, latino-americanos ou como alguns americanos tem. Conforme o dia de Natal ia chegando eu e a Mel começamos a nos preocupar e pensar num plano B. Não queríamos ficar sozinhos na noite de Natal pois seria deprimente. Tinham algumas festas para estrangeiros sendo divulgadas mas não tínhamos dinheiro para tais.
   Numa de nossas lamentações sobre o assunto, Davi ouviu. Veio até nós e nos convidou passarmos o Natal com a família dele, na própria pousada. A celebração seria no apartamento dele no último andar. Ficou combinado para às 20 horas do dia 24.
   Um ou dois dias antes saí cedo enquanto Mel ainda dormia para comprar um presente para ela. Andei por toda a cidade atrás de algo dentro do meu orçamento de 20 soles. Como ela gosta de tudo que tem a ver com viagem e recordações sobre viagens, comprei um álbum de fotos personalizado do Peru. Pensei que seria o presente perfeito. Como todo ano, ela me perguntou o que eu queria e eu escolhi uma bolsa para notebook também com todo o estilo do Peru.
   No dia de Natal, separamos nossa melhor roupa e compramos um refrigerante para não chegarmos de mãos vazias lá. As oito da noite em ponto subimos e batemos na porta. Fomos recebidos por Davi que nos apresentou para sua esposa Guadalupe e suas duas filhas. Lá também estava sua sogra preparando o jantar. Olhei para a mesa e estava completamente vazia. Estranhei bastante mas imaginei que a comida estava ainda no forno, apesar de não sentir cheiro algum. O apartamento estava enfeitado com piscas e uma grande árvore de Natal. O tempo foi passando e cada vez mais a fome ia aumentando. Quando eram 22:00 Davi saiu para buscar seu pai (ou sogro, não me lembro). Segundo ele, no bar. Voltou meia hora depois, bêbado, com outro senhor ainda mais bêbado que ele. Esse senhor sentou-se do nosso lado e tentou se comunicar de diversas formas. Primeiro, verbalmente mas não entendíamos nada daquele espanhol bêbado. Depois, começou a chamar a Mel pra dançar e por último quis se casar com ela e colocar a mão em sua coxa. Aí eu já estava intervendo para a situação não sair de controle.
   Eram 23:45 e nada de comida. Eu já estava querendo comer meu relógio. Eu vi que ninguém ia trocar presentes então fui descer até nosso quarto para buscar os nossos e darmos um ao outro. Desci as escadas correndo e quando cheguei no nosso quarto abri um pacote de bolachas e devorei em 15 segundos. Peguei os presentes e voltei pra cima. Entreguei o presente da Mel e ela entregou o meu. Ela não admite, mas não gostou do álbum. Tanto é que já se passaram 2 anos e ela não colocou 1 foto lá sequer. Eu adorei o meu presente. Inesperadamente Davi nos deu um presente, dois pratos de madeira com pinturas incas tradicionais. Eles são pregados à parede. Achei estranho ele ter dado dois, pois normalmente são 3, cada um de um tamanho, mas mesmo assim gostamos muito!
   Somente após a meia noite eles disseram "vamos comer". Eu mal podia acreditar. Seja o que fosse a comida eu ia devorar sem dó nem vergonha!
   A ceia iniciou com uma sopa. Bom, acho que não há como chamar aquilo de sopa, era mais um caldo com alguns pedaços de mandioca boiando e pedaços de frango mais branco que a perna da minha falecida avó. Não havia 1 grama de sal no caldo ou no frango. O caldo tinha gosto de água de piscina no fim do dia e o frango tinha gosto de papel reciclado. Notei que no caldo haviam pequenas bolinhas pretas que pareciam minúsculas estrelas-da-morte. Reconheci na hora como sendo a pimenta-do-reino mas nem lembrei de avisar a Mel, que odeia pimenta. A Mel tem dificuldades em disfarças suas feições de desagrado, por isso já não estava com uma cara boa enquanto tomava a "sopa", mas quando ela mordeu uma pimenta ficou tudo pior. Ela fez uma cara de nojo, se contorcia na cadeira e falava alto "que horror" "eca! eca!". Fez um escândalo sem precedentes e por mais que eu tentava amenizar a cena, o estrago já estava feito pois a Mel
 cuspiu a sopa que estava na boca de volta no prato. Eu não sabia onde enfiar minha cara de constrangimento. A mulher de Davi achou aquilo inadmissível e uma falta de respeito imensa (obviamente) e por mais que ela não tenha falado nada suas expressões falaram por ela. Durante todo o jantar não nos foi servido nada para tomar, nem água. Eu num certo momento perguntei pela Coca-Cola e para a minha surpresa eles não haviam colocado para gelar. Estava estupidamente quente! Aquilo desceu no meu estômago como uma escola de samba. Terminada a sopa, eu já estava empolgado para o próximo prato pois certamente seria algo mais sólido e com sabor. Mas... não havia próximo prato. A ceia de Natal era aquilo! E só para esclarecer, não era escasso por pobreza pois o Davi é um homem com bons recursos financeiros. Tem vários carros e casas e comércio no Brasil. Simplesmente era a tradição. A fome ainda era grande e por mais que eu tivesse esperanças não havia nem uma sobremesa. Esperamos um pouco, depois do jantar e demos boa noite. Quando chegamos em nosso quarto devoramos as bolachas que encontramos pela frente. A ceia de Natal foi um fisco.
   Como todos sabem, o almoço do dia de Natal também é bastante importante e enquanto estávamos no apartamento de Davi ele nos convidou para o almoço do dia seguinte. Disse que iríamos todos na casa de sua mãe e ela iria preparar um peixe magnífico. Ficou combinado que estaríamos prontos às 10 e eles iriam nos chamar em nosso quarto.
   Pois no dia seguinte, 25, às quinze para as 10 estávamos ambos prontos para sair e ainda mortos de fome. O tempo foi passando e nada de nos chamarem. 10 horas, 10 e quinze, 10 e meia e nada... Quando deu 11 horas eu subi até o apartamento dele para descobrir o porquê do atraso, já que Davi não estava respondendo meus SMS. Para minha surpresa, não havia ninguém. E não foi um simples esquecimento pois nosso quarto ficava bem ao lado das escadas então quando alguém descia era muito evidente o som. Eles desceram todos nas pontas dos pés em silêncio para não sabermos e nos deixaram lá.
   Quando desci e contei à Mel, ela chorou. Eu disse à ela que talvez tivesse sido melhor assim e saímos para procurar um lugar para almoçarmos. Claro que eu sabia que o que devia ter acontecido é a mulher de Davi dizendo à ele que não queria que fossemos, diante do que aconteceu na mesa. Mas a atitude deles foi desumana e insensível. 
   Andamos por toda Pisac e estava praticamente tudo fechado. Ironicamente o único lugar aberto era o que íamos quase que diariamente, o Ulrike's Cafe. Estávamos ambos com quase nada de dinheiro e pedimos o que deu: um hambúrguer para cada um com batatas-fritas. E não pense que foi um hambúrguer caprichado e generoso. Era um bem simples e pequeno. Comemos, conversamos e saímos para dar uma volta. 
   Apesar de não me considerar religioso, eu gosto muito de visitar igrejas pela beleza e paz que proporcionam. Sugeri à Mel que fossemos visitar a igreja da cidade pois provavelmente haveria alguma missa. Quando chegamos todos já estavam saindo da missa, tocando tambores e com homens fantasiados com roupas exóticas e máscaras de pelo. Dançavam e pulavam e saíram em caravana caminhando pela cidade. Acompanhamos um pouco pois era uma oportunidade única de conhecermos a forma de comemorarem o Natal no Peru. A caravana foi passando pelas ruas e as pessoas abriam as janelas das casas (que são sempre bem altas) e jogavam doces e brinquedos simples para as crianças que acompanhavam a caravana.
   Depois de registrarmos aquele costume tão bacana em fotos e vídeos retornamos à pousada e jogamos ludo até a Mel cansar de perder.



















20 de dez. de 2014

DIAS 46 A 51 - PISAC e CUSCO - PERU (segunda semana)

   Os dias em Pisac corriam sem grandes novidades. Nossa rotina se bastava a comer e passear. Com o dinheiro curto, fazíamos racionamento de alimento pois ainda não havíamos decidido sobre nosso rumo a partir de Pisac. Comíamos quase sempre miojo, ovo cozido, tomate, sopinhas e arroz. O único mercado da cidade não oferecia opções muito variadas e além de tudo o preço era decidido pelo caixa na hora. A única vez que tentamos comprar algo de diferente lá nos demos mal. Compramos uma caixa de hambúrgueres e quando chegamos na pousada estavam todos mofados.
   Nossa oportunidade de comprar legumes e frutas ou comer algo melhor era aos domingos quando havia a feira livre na praça central da cidade. Eram servidos pratos de comida muitíssimo boa, mas não muito baratos. No domingo da segunda semana compramos um frango assado com batatas fritas. Foi divino.
   Em frente a pousada havia uma vendinha de uma senhora muito simpática. Lá, comprávamos refrigerante pois era mais barato que no mercado e ela nos deixava retornar a garrafa de vidro depois. Um pouco mais adianta havia uma lavanderia e por ter um preço muito bom levávamos nossa roupa para lavar lá as vezes. Outra vezes lavávamos na pousada mesmo.
   O clima em Pisac era sempre frio, entre 7 e 15 graus, mas ao contrário do que se pode pensar era sempre muito agradável. Até mesmo a Mel que veio do Ceará gostava. Pela manhã as montanhas dos Andes que rodeavam a cidade estavam sempre cobertas de neblina e vez ou outra garoava. Mais pela tarde o tempo abria mas quase todo o tempo que estivemos lá esteve nublado.
   Eu já viajei muito mundo afora mas em Pisac vi coisas inusitadas que nem na África vi. Vimos um homem passeando com um porco enorme na coleira. Vimos propaganda política de homens com vestimentas tradicionais incas. Vimos uma missa católica que mais parecia um carnaval e por aí vai.
   Depois de alguns dias fomos finalmente conhecer Cusco. Pegamos as instruções com Davi e partimos cedo. O local de saída dos transportes intermunicipais era no final daquela mesma avenida. Raramente haviam ônibus, quase sempre o que haviam eram vans onde o cobrador ficava na porta gritando o destino. A distância até Cusco não era longa, apenas 55 quilômetros mas a lentidão do trânsito fazia a viagem durar quase uma hora e meia. A van subia montanha, descia montanha, subia montanha, descia montanha e depois de passar por vários vilarejos chegava finalmente a Cusco. O ponto de descida era o terminal de vans no centro da cidade.
   Cusco era uma cidade consideravelmente grande e movimentada. Me lembrou muito uma Campinas peruana. Se não guardasse bem o caminho poderia certamente se perder. Eu procurei um mapa da cidade para comprar mas não encontrei. Mas considerando que apenas nos perdemos uma vez, indo parar num bairro barra pesada, não me saí tão mal.
   Conhecemos a praça de armas de Cusco, compramos cartões postais, cortei o cabelo e visitamos muitas lojas. O mercado municipal foi um episódio a parte. Havia uma infinidade de coisas lá, desde sapos vivos para consumo até artesanatos, legumes e vegetais, roupas, aparelhos eletrônicos e frutas exóticas. Nos fundos do mercado haviam bancadas onde serviam comida. Por cerca de 3 reais podia se comer uma refeição completa, chamada Cena. Primeiro vinha um prato de sopa com mandioca ou choclo (milho), pão e depois o prato principal que normalmente era arroz com batatas-fritas, salada e as vezes pimentão empanado recheado de carne e legumes. Eu achava aquela comida uma delícia, apenas me preocupava com as condições de higiene do lugar. Quando vivi na Africa, passei muito mal diversas vezes por causa de comida contaminada. Foi uma experiência difícil de esquecer.
   Ao final da tarde, retornarmos ao local de parada das vans e pegamos um transporte de volta a Pisac. Eu gostei bastante de Cusco mas me senti um pouco aliviado por estarmos hospedados num local mais calmo e tranquilo. Para mim as desvantagens de Pisac eram duas: internet que praticamente era discada e o grande número de estrangeiros que fazia com que muitas coisas eram vendidas por um preço alto. Os estrangeiros não procuravam muita interação, talvez porque a maioria fosse da Europa e de fato eles são mais reservados. Penso que se todos eles fossem brasileiros iriam todos se unir e acabaríamos conhecendo todos. Perto do Natal tentamos de muitas formas conhecer gente pra passarmos as festas juntos mas não tivemos sucesso. Acabamos fazendo mais amizades com peruanos do que com estrangeiros. 
   No geral Pisac proporcionou uma experiência muito positiva para nós, mas também tivemos decepções lá. Primeiramente com Richard, depois com a falta de abertura com os estrangeiros para fazer amizade (apesar que não se pode culpar totalmente a eles, já que praticamente todos se comunicavam em inglês e o fato da Mel não saber criava um grande obstáculo). Mas a maior decepção ainda estaria por vir. Ela tem nome e endereço: se chama Davi e vive na pousada El Gato Negro. E no próximo capítulo explicarei o porque de eu dizer isso.


Abaixo, algumas fotos de Cusco.