Na manhã do dia 5 de Dezembro nos preparamos para cruzar a fronteira
Chile/Peru. Organizamos a moto e pouco antes de partirmos Mincho chegou a tempo
de nos despedirmos. Pegamos a estrada as 9 da manhã e em pouco tempo chegamos
na fronteira. A burocracia, como sempre, foi intensa e chata. Tivemos que pagar
por um formulário, coisa que nunca vi em fronteira nenhuma. Ainda bem que tínhamos
umas ultimas moedas de dinheiro chileno. Na hora dos transmites do lado peruano
mais burocracia e uma surpresa desagradável: deram-nos apenas um mês de visto.
No dia 4 de Janeiro teríamos que sair. Se ficássemos além disso iriamos pagar
multa e a moto poderia ser apreendida. Planejamos permanecer um bom tempo em
Pisac, trabalhando em conjunto com um amigo numa ONG lá. A expedição Arauto
Americano deveria ser uma viagem só de ida, afinal deixamos nossos empregos,
entregamos o apartamento e vendemos todas nossas coisas. Tudo que tínhamos
estava na moto. O visto seria uma dor de cabeça que deixei pra pensar depois,
já em Pisac. Passamos pela vistoria que mais uma vez não fez questão de mandar
eu abrir nada e em meia hora estávamos já no lado peruano. Nosso primeiro
destino seria Tacna, onde deveríamos
sacar dinheiro e fazer o tal seguro SOAT. No Chile não fizemos o seguro e para
nossa sorte nunca fomos parados e o seguro nunca foi solicitado. Mas nos
informaram que no Peru a coisa era mais séria e não deveríamos arriscar.
A cidade era um caos tremendo, o maior desde o início da viagem. O
trânsito era um pouco pior que o de Moçambique. Carros cruzando avenida sem
ninguém dar a vez, numa verdadeira batalha onde parecia que sempre iria sair
batida. E pra piorar o GPS não estava mostrando as ruas desde que entramos no
Peru. Obviamente o mapa do Peru não foi instalado corretamente no Garmin Zumo.
Maldito site de mapas, dizia que o mapa era para toda a América Latina.
Instalei e verifiquei várias vezes antes de começar a viagem mas parece que a
verificação do Peru passou batida por mim (sim, é culpa minha). Além disso as
cidades e estradas do Peru não tem uma placa sequer indicando os caminhos.
Seguindo indicações de pessoas na rua, chegamos ao centro da cidade. Consegui
sacar o dinheiro, trocar os 15 dólares que tínhamos guardados e fazer o seguro
SOAT em um escritório depois de bastante enrolação e da atendente terminar de
debater política com os colegas. Mel sempre esperando pacientemente na moto,
debaixo de sol. E eu sempre preocupado pela segurança das duas, tentando fazer
tudo correndo para voltar logo. Terminado estes detalhes mais uma vez pedimos
informações de como tomar a ruta 36 rumo à Juliaca. Só achamos a ruta após
perdermos cerca de uma hora rodando pelas ruas sem placas sempre pensando que
não queria voltar a rodar em grandes cidades peruanas. Quando entramos na ruta
paramos num posto, abastecemos, enchemos os galões e continuamos a jornada.
Subimos extensas montanhas, passamos pela fronteira provincial e por vários
povoados nas montanhas, sempre de olhos abertos para encontrarmos um lugar para
passar a noite. Ja no final da tarde, quando eram cerca de 17 horas percebi que
a próxima cidade estava a 250 quilômetros de distância. Eu não estava disposto
a chegar as 20 horas e ainda ter que procurar lugar para nós. Além de tudo,
começou uma tremenda chuva fria. No topo de uma montanha avistamos um pedágio e
ao lado, na beira da estrada, algumas casinhas simples. Resolvi confiar no
nosso santo, parei a moto ali mesmo. Uma família estava à porta nos observando.
Aproximei-me e perguntei se podíamos montar nossa barraca ao lado da casa para
passarmos a noite. Aceitaram e nos convidaram para entrar e esperar até a chuva
passar. A casa só tinha um cômodo com duas camas e um sofá, além de uma mesa
com uma TV e DVD e várias caixas no chão com bolachas e ovos. O lugar tinha
bastante sujeira e um cheiro nada bom de lixo. Mas nunca deixamos isso estar
acima dos nossos agradecimentos àquela família. Vejam vocês: a família era
composta por um casal, a filhinha, o bebê e a vovó e mesmo com toda aquela
simplicidade e condições precárias, nos disseram que poderíamos dormir dentro
por causa do frio. O pai com o bebê pegou carona em um caminhão para irem até a
cidade anterior. A mãe, a filha e a avó ficaram e nos cederam uma das duas
camas. Colocaram muitas cobertas e nos fizeram sentir muito bem. Assistimos
todos no DVD o filme inteiro da Máscara do Zorro dublado em espanhol. A pobre
moto ficou lá fora na chuva e frio de zero grau. Quando o filme terminou, eu e
a Mel acendemos nossa espiriteira e fizemos sopa com ovos cozidos que compramos
da dona da casa. Compramos também algumas bolachinhas para a viagem e o café da
manhã. O jantar não foi muito promissor, pois a sopa era bem ruinzinha e rala. Fui dormir com fome. Mel também. Depois do
jantar mais uma vez colocaram o DVD do Zorro, mas dessa vez do seriado antigo.
Quando todos foram dormir ainda estava passando o seriado. O frio era tanto que
dormi cheio de roupas e com touca. Num certo momento da noite acordei com uma
música repetindo dentro do meu sonho como uma trilha sonora. Abri os olhos e
notei a luz acesa, o DVD do Zorro no menu inicial com a música repetindo
terminantemente e Mel, a avó, a mãe e a filha todas roncando. Levantei e
desliguei a TV, não achei o interruptor da luz por isso peguei minha toca e com
ela desrosquei a lâmpada do bocal. Voltei pra cama e dormi tentando adivinhar
quantos graus estava. Certamente abaixo de zero.
Boa noite com frio!!!
RODADOS NO DIA: 264 KMS
TOTAL RODADOS: 7105 KMS
TOTAL RODADOS: 7105 KMS
Tenho acompanhado seus relatos. Parabéns pela expedição. Feliz natal para vocês. Que tenham muita paz e coragem para seguir em frente. Grande abraço. Rogério.
ResponderExcluirMuito obrigado irmão Rogério! Este tipo de apoio é muito importante para nós! Feliz Natal pra vc também!!
ResponderExcluirAmigos... quanto perrengue! Mas no final tudo parece estar dando certo. Me disseram no Chile uma vez que é bom dar uma buzinadinha para as cruzes e igrejinhas da estrada, como forma de pedir proteção. Faço isso até hoje... Feliz Natal!
ResponderExcluiro que aconteceu depois deste dia? não postaram mais nada
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